Portelinha

A PORTELINHA: ALMA PORTELENSE

Indubitavelmente, a Portelinha caracteriza-se pelo pioneirismo de fatos e de atitudes que marcaram a trajetória das escolas de samba. Foi, por exemplo, a primeira quadra coberta de uma escola de samba. Aliás, quando a quadra ainda era aberta, a jaqueira ainda estava de pé. Aí, quando se começou a pensar em quadra coberta, tivemos que derrubar.1[1]

Quem passa pelo portão azul e começa a ler os avisos da diretoria para não entrar trajando bermudas e chinelos, já fica, no mínimo, ressabiado. Ao descer as escadas e se virar para a direita, direcionando-se para o palco, verá ao fundo deste, uma águia segurando um pandeiro, simbolizando que naquele local se possui o domínio, o poder sobre a essência do samba. Dirigindo o olhar um pouco mais para o alto, vê-se um cartaz com a foto de Paulo da Portela com os dizeres A Portela se encanta parecendo abençoar como um grande e generoso pai todo este espaço.

Continuando do lado direito, já de costas para o palco, observa-se um quadro no qual estão pintados a porta-estandarte com o pavilhão da Portela acompanhada por seu mestre-sala tendo a bateria como guarda-costas, num desfile solitário e único, tendo ao fundo o símbolo da avenida Marquês de Sapucaí. Tal singular fato é testemunhado e reverenciado por uma platéia extática e vibrante. Esse quadro representa que ali, naquele local, encontra-se a majestade do samba:

O povo cantando assim

Oh,oh,oh,oh

A majestade do samba

Chegou, chegou

Corri pra ver

Pra ver quem era

Chegando lá

Era a Portela.2[2

Seguindo do lado direito, a frase Portela, a voz que não se cala jamais! serve para afirmar que se está no santuário do samba. Independente do que aconteça, a Escola jamais sucumbirá; seus valores estarão sempre vivos.

Indo mais para o fundo da quadra, ainda do lado direito, o símbolo da águia com os dizeres sob suas garras Ordem e Progresso é fantástico e altamente esclarecedor. Através dessa imagem é possível perceber todo o mecanismo de controle social que a Escola estabelece sobre seus componentes e seguidores. Aí está representado todo conceito que rege o modo de ser de um verdadeiro portelense. A Portela é o espaço da ordem!

Já do lado esquerdo da quadra, os dizeres Se o samba hoje deu frutos, nós plantamos a semente indicam que é ali a origem de tudo. E ao fundo, ainda do lado esquerdo, mais acima, vemos a placa de Gil Coelho Você que está chegando agora e vê estarrecido nossa união saiba que esta é a Portelinha que embora pequinininha é a mãe do Portelão. "Portelinha", não é sinônimo de algo menor ou menos significativo. Ao contrário, é profundidade, é essência, é origem. É a mãe que juntamente com o pai, Paulo da Portela, são referências na transmissão dos valores a serem seguidos pelos seus filhos, os portelenses, construindo, assim, uma família altamente unida, sólida e organizada: a família portelense. Aliás, organização, educação e discrição são aspectos observados tanto pelos próprios portelenses quanto por não portelenses:

A Velha Guarda da Portela tem organização e disciplina. E a matéria-prima é fantástica: a veia poética. Isso está ligado à própria história da Portela, com Paulo da Portela, por exemplo...3[3]

Por esses aspectos, acredito que a Portelinha seja o ponto central da memória não apenas da Escola de Samba Portela e do samba como um todo, como também de toda uma população que há gerações habita a área que vai de Oswaldo Cruz a Marechal Hermes, chegando até Campinho. A memória à qual me refiro é aquela constituinte de um processo dinâmico. É, justamente, a memória considerada como um fato da história; não apenas como um meio para se recordar a história, mas memória como um dos objetos da história e um dos elementos constituintes de uma elaboração histórica.

4[1] Entrevista cedida pelo Sr. Marinho no dia 12 de novembro de 2004.

5[2] Corri pra ver. Música e letra compostas por Monarco/Chico Santana/ Casquinha.

6[3] Depoimento de Ruça Caniné. In: VARGENS, João Baptista M. e MONTE, Carlos. A Velha Guarda da Portela. Op. cit., p. 42. Ruça Caniné, ex-vereadora da cidade do Rio de Janeiro pelo Partido Comunista Brasileiro e ex-presidente da Escola de Samba Unidos de Vila Isabel.

Autor: Vinícius Lopes.

A PORTELINHA: ALMA PORTELENSE

Entrar na Portelinha é também desvendar os segredos da alma portelense. Seu portão azul se abre para a Estrada do Portela, diante de uma típica paisagem do subúrbio contemporâneo. Carros, ônibus e vans travam suas barulhentas batalhas diárias. O "vai-e-vem" agitado convive com a ainda resistente tradição do bate-papo entre vizinhos. Mães apressadas deixam e pegam seus filhos no colégio. Entretanto, é o olhar histórico que nos revela a particularidade do local. Ali nasceu a Portela. Nossa imaginação reconstrói uma arqueologia fantástica, fazendo ressurgir em nossa mente a velha jaqueira, a chácara do Sr. Napoleão, o bar do Nozinho. Paulo, que antes caminhava elegantemente, agora está presente em forma de busto, impondo-se no centro da praça que leva seu nome.

Segundo Candeia, as primeiras sedes da Portela foram as casas de Paulo da Portela, no Barra-Preta, e o quarto onde morava Antônio Rufino. Nos primórdios das escolas de samba, uma sede significava, basicamente, um local para guardar os instrumentos.

A terceira sede da escola foi o famoso "Bar do Nozinho", quando as reuniões e a centralização administrativa já se tornavam obrigatórias para a organização das escolas de samba, cada vez mais complexas e especializadas.

O crescente progresso das escolas de samba trouxe também a necessidade de um local fixo que fosse utilizado para os ensaios. Construída no fim da década de 50, a Portelinha foi a primeira sede própria da Portela. Muitos contribuíram para a realização do projeto. Do livro de ouro constam nomes como o do Ministro Edgard Romero. Natal contribuiu com grande parte dos recursos. Lino Manoel dos Reis doou para a escola o dinheiro de uma indenização pela perda dos dedos de uma mão.

A Portelinha foi uma grande conquista, mas a popularidade das escolas de samba crescia de tal forma que em pouco tempo a quadra tinha se tornado pequena, obrigando a Portela a ensaiar primeiro no Clube Imperial, em Madureira, e depois construir o Portelão, na época chamado "Academia do Samba Natalino José do Nascimento".

Abandonada, a Portelinha representava apenas uma etapa do crescimento da escola. Constituía-se, também, numa presença concreta da Portela em seu berço, onde as demais lembranças pereciam com os anos. A pequena quadra ficou esquecida até a escola ceder a administração do espaço para a Velha Guarda, que, sob a liderança do Sr. Armando Santos, transformou-a num centro de sociabilidade para nossos veteranos sambistas.

As placas na parede recordam as glórias passadas da Portela. O azul e o branco se alternam harmoniosamente, destacando-se as frases que exaltam a Portela e a importância da Velha Guarda.

A "mãe do Portelão", como diz uma frase do compositor Gil Coelho exposta na parede, é um local acolhedor e receptivo. O Palco Carlos Teixeira Martins fica ao lado da entrada. No fundo, o bar da velha guarda fica próximo à escada que permite acesso à "Rua Antônio Rufino", no segundo andar da construção, onde fica também a cozinha.

Sobre o já citado palco, os "velhas guardas" preservam valiosas lembranças do passado glorioso da Portela. Instrumentos antigos de bateria, alguns bastante diferentes dos atuais, como os tamborins quadrados, estão expostos ao lado dos chapéus de saudosos ritmistas. Quadros históricos, flâmulas e os troféus oferecidos à velha guarda ocupam a quase lotada estante de madeira. É a presença dos pioneiros e dos mais antigos nas histórias, nas atas e nas relíquias.

A palavra "saudade" só existe na língua portuguesa. Entrar na Portelinha, para quem viveu a Portela das décadas de 50 e 60, é sentir o significado deste termo. Para quem não conheceu a Portela desta época, o sentimento é de algo que nosso idioma simplesmente ignora. Saudade de algo que jamais foi vivido.

Autores: Fábio Pavão, Rogério Rodrigues e Lucia Pinto.

ENSINAMENTOS DO PROFESSOR

Organização, eis a palavra que conduz a Galeria da Velha Guarda da Portela. Aqui os ensinamentos de Paulo permanecem vivos. A imagem do mestre está exposta próxima ao palco, servindo de inspiração para os rumos do grupo.

Na distante década de 30, muitas escolas surgiam e desapareciam. Raras sobreviveram e se perpetuaram no carnaval carioca. Por que a Portela foi uma dessas poucas exceções? O que a escola tinha de especial para sobreviver e se tornar vencedora?

O acaso ou a sorte não podem ser evocados como resposta. Existia na Portela algo que a tornava forte, diferente das demais. A Portela tinha os ensinamentos de Paulo, tinha sua organização como modelo.

Paulo traçou não apenas o destino vitorioso de nossa agremiação, mas da própria trajetória das escolas de samba. Se a Portela é uma grande família, nossos fundadores são os parentes mais velhos. Seus ensinamentos são verdades que orientam as ações através dos anos, e assim as palavras do mestre chegaram até os nossos dias. Junto com Caetano e Antônio Rufino, Paulo Benjamim de Oliveira, o Paulo da Portela, fez os membros de sua comunidade aprender a importância da organização e da disciplina, bem como da cordialidade ao receber os visitantes.

E, hoje, quando entramos na Portelinha, seja nas diversas atividades socioculturais ou nas formais reuniões, percebemos que a palavra do "professor" resiste e que suas lições são repassadas e postas em prática cotidianamente.

Esses ensinamentos são visíveis não só na estrutura administrativa, no funcionamento das atividades, mas, sobretudo, na elegância do vestir-se com garbo, altivez, distinção, classe.

Autores: Fábio Pavão, Rogério Rodrigues e Lucia Pinto.

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