Nas últimas semanas, as escolas de samba estão sendo vítimas de ataques preconceituosos. Ataques geralmente acompanhados de um conjunto de desinformações que, além de criminalizar os desfiles carnavalescos, de forma leviana colocam o G.R.E.S. Portela e as demais agremiações como “adversárias da Saúde pública”. Ao contrário, desde o início da pandemia o G.R.E.S. Portela cumpriu as normas sanitárias impostas pelas autoridades competentes, fechando a quadra de ensaios e o barracão sempre que a legislação impediu a continuidade dos trabalhos. Avançamos e retrocedemos nos processos de reabertura, estabelecendo um protocolo próprio para garantir a segurança dos portelenses e frequentadores de uma forma geral. Nós tivemos muitos mortos. Choramos por todos eles. Respeitamos vários momentos de luto. E agora, finalmente retomando as atividades, seguindo todas as regras do poder público, não podemos admitir que setores da sociedade injustamente discriminem os sambistas.
Sim. Discriminação. De forma bem didática, “discriminar”, na definição do termo, significa tratar alguém ou alguma coisa de forma diferenciada. Por exemplo, se alguém abre vagas para um emprego, mas descarta os negros da possibilidade de serem contratados, temos um caso de discriminação racial. Por analogia, se temos uma infinidade de atividades e eventos garantidos pelo passaporte de vacinação, mas apenas o desfile de escola de samba é questionado, também temos uma situação clara e evidente de discriminação. O mais grave é que, em nossa sociedade, discriminar sambistas é algo tão comum que muitos tendem a naturalizar esta prática. Os discursos podem mudar ao longo dos anos, mas sempre retratam os sambistas como sujeitos “potencialmente perigosos”.
Se voltarmos ao início do século XX, o foco era a segurança pública. Os sambistas precisavam ser vigiados, da mesma forma que os capoeiras ou os próprios escravizados alguns anos antes. A repressão às rodas de samba gozava de grande apoio entre as elites, exatamente por serem investidas contra indivíduos “potencialmente perigosos”. Hoje, com o distanciamento do tempo, fica fácil notar o caráter discriminatório e preconceituoso das ações contra os sambistas de outrora. Todavia, ao olharmos para as formas como a discriminação se manifesta nos dias atuais, temos que ter cuidado para não tropeçarmos numa “armadilha retórica”. Dizer que as escolas de samba estão “contra a saúde pública” é um argumento falso e simplório, mas que, repetido exaustivamente, pode enganar a alguns incautos. Na verdade, além de falsa, esta afirmativa traz o preconceito em sua própria formulação. Ela revela que os sambistas ainda são vistos como criaturas “potencialmente perigosas”, mas agora num outro contexto. Sambistas “transmitem doenças”, “não se cuidam”, “são irresponsáveis”. “Sambistas matam”, dirão alguns, pois mesmo que não mais empunhem a velha navalha, “estão espalhando vírus” com suas aglomerações. É exatamente a manutenção deste preconceito, profundamente enraizado em nossa sociedade, que faz, no atual momento da pandemia, que os desfiles de escola de samba sejam tratados de forma diferenciada, considerando o conjunto de eventos agendados para as próximas semanas em todo o país. Em outras palavras, os desfiles estão sendo discriminados.
Vale ressaltar que as políticas de saúde pública, como quaisquer tipos de políticas públicas, devem sempre respeitar o princípio da impessoalidade, um dos pilares que regem a administração pública, de forma que tratem todos os cidadãos ou segmentos da sociedade sem qualquer tipo de discriminação. A história nos ensina que as políticas de saúde pública, quando deliberadamente discriminam segmentos específicos da sociedade, além de não cumprirem seu papel, em casos extremos podem trazer sérios danos à dignidade das pessoas, como as políticas eugênicas que perseguiam pobres, negros e quem mais fosse socialmente desfavorecido. Políticas públicas devem sempre incluir, e não erguer barreiras que excluam determinados grupos sociais.
Dito isso, um hipotético estabelecimento de regras restritivas que impeçam, no Rio de janeiro e em qualquer lugar do Brasil, a realização de um desfile de escola de samba, deve, por essência, ser aplicado a todos os eventos que estão sendo realizados neste momento, ou marcados para o final de fevereiro. É um imperativo moral que os “trabalhadores do carnaval”, como parte do setor cultural, sejam tratados da mesma forma que os demais trabalhadores deste setor, bem como se aplique para os artistas do carnaval as mesmas regras e normas vigentes ao setor de eventos, sem qualquer discriminação.
Neste momento, embora a discriminação aos sambistas dificulte a compreensão, a questão real que precisa ser decidida pelos especialistas é se o passaporte de vacinação garante segurança para a realização de eventos. Eventos no plural, frisamos, pois, se o passaporte não garante a segurança nas arquibancadas do sambódromo, também não garante nos estádios de futebol. Se os componentes vacinados de uma escola de samba estão desprotegidos, da mesma forma estará o público dos muitos shows marcados para as próximas semanas.
Assim, o G.R.E.S. Portela lamenta profundamente que o foco real do debate, que são as políticas de saúde pública para toda a sociedade e a eficácia do passaporte de vacinação, tenha se desvirtuado para uma onda de ataques discriminatórios contra as escolas de samba, o que atinge também os sambistas, que estão sentindo na pele o renascimento de um preconceito histórico. Nós confiamos na Ciência. Acreditando na vacina, ao ponto de termos transformado nossa quadra em posto de vacinação. Confiamos que os cientistas reconhecerão a segurança do passaporte vacinal, como a ata da última reunião do Comitê Científico do Rio de Janeiro sugere, ao destacar que pessoas não vacinadas têm trinta vezes mais chances de desenvolver casos graves da doença. Confiamos que a Ciência não será manchada pelo preconceito.
O GRES Portela também repudia de forma veemente as declarações levianas de que o vírus da COVID-19 teria se espalhado no sambódromo em 2020, o que procura responsabilizar diretamente as escolas de samba pelo início da pandemia. Tal acusação carece de esclarecimento junto à sociedade e à própria comunidade científica, não cabendo, pelos danos causados à imagem da mais conhecida manifestação cultural do país, seus artistas e trabalhadores, tratar-se apenas de uma hipótese. Ainda assim, mesmo que tal informação pudesse ser comprovada, em nada acrescentaria ao atual debate, que, reafirmamos, deve se orientar pela segurança do passaporte de vacinação.
Por fim, para aqueles cujo único interesse é aproveitar o momento para destilar seu ódio, um aviso: Nós vamos seguir adiante com a nossa arte, nossos valores e nossa cultura. Seguiremos cultuando nossos ancestrais e sentindo orgulho da nossa fé. De vocês, apenas exigimos respeito.
Que Oxum cubra com seu amor a mente dos intolerantes.