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2020
Em maio de 2019, os portelenses reelegeram Luis Carlos Magalhães como presidente. Para o cargo de vice-presidente, foi eleito Fábio Pavão, que até então ocupava os postos de Presidente do Conselho Deliberativo e membro da Comissão de carnaval. Estas foram as primeiras novidades da Portela para 2020, ano que marcou a estreia da dupla de carnavalescos Renato Lage e Márcia Lage na Majestade do samba. Na Comissão de carnaval, foram incluídos Junior Escafura, que retornava à Portela depois de seis anos, e Higor Machado, até então diretor de barracão. Deixaram o cargo Fábio Pavão, que ascendeu à vice-presidência, Junior Schall e Marcos Aurélio Fernandes. O ex-presidente Sérgio Procópio, além de ter sido eleito para a presidência do Conselho Deliberativo, assumiu o comando da ala de compositores Ary do Cavaco, auxiliado por Camarão Neto e Wanderlei Monteiro.
A crise econômica no carnaval se acentuava. Após seguidas reduções, a Prefeitura municipal cortou toda a verba de subvenção para as escolas de samba do grupo especial. O governo do Estado do Rio de Janeiro conseguiu o patrocínio de uma Refinaria privada, mas a receita só foi depositada quase duas semanas após o carnaval, tornando conturbada a preparação para o espetáculo. Procurando se adequar à nova realidade financeira, a LIESA promoveu alterações no regulamento, reduzindo o tempo máximo de desfiles para 70 minutos. Na forma de julgamento, ocorreram as mudanças mais radicais dos últimos anos, com a instituição de duas “cabines duplas” e apenas três paradas para apresentações. Assim como em 2017, um bom planejamento de desfile tornava-se fundamental para evitar atropelos. Novamente utilizando a Estrada Intendente Magalhães e as madrugadas no sambódromo, as comissões de carnaval e harmonia ensaiaram exaustivamente a evolução, especialmente o deslocamento entre as cabines reposicionadas. No dia do desfile, apesar do susto provocado pela falha dos rádios de comunicação, imprevisto que poderia comprometer o sucesso, o planejamento dos meses anteriores mostrou-se eficiente. A escola fluiu na avenida, desfilando com alegria, empolgação e compacta, como manda o manual da boa evolução. Merecida nota máxima nos cinco jurados.
O enredo “Guajupiá, Terra sem males”, desenvolvido por Renato Lage e Márcia Lage, contou a história dos povos indígenas que habitavam o Rio de Janeiro antes da chegada dos europeus. Portanto, era mais um carnaval a fazer parte do grande acervo de enredos indígenas que a Portela levou para a avenida, incluindo o clássico “Lendas e Mistérios da Amazônia”, que completava cinquenta anos. A final do concurso de samba foi antológica, com uma encenação no palco sintetizando o enredo, um belo trabalho idealizado e executado por Nilce Fran e suas meninas. Após o resultado, os portelenses, na quadra ou em seus lares, acompanhando pela transmissão do Canal Portela TV, festejaram a vitória da composição assinada por Valtinho Botafogo, Rogério Lobo, José Carlos, Zé Miranda, Beto Aquino, Pecê Ribeiro, D´Sousa e Araguaci, a maior parte remanescentes da parceria vitoriosa na disputa do ano anterior. Ao amanhecer, a bateria arrastou o povo para festejar em plena rua Clara Nunes.
Depois de seis carnavais, a Portela voltava a desfilar no domingo. Foi a sétima e última escola a entrar na avenida. Conforme havia sido planejado pelos carnavalescos e pela comissão de carnaval, amanheceu logo no início da apresentação. Quando os primeiros raios de sol iluminaram a paleta de cores criada por Renato Lage, a bela apresentação ganhou novos contornos. A Comissão de frente, comandada por Carlinhos de Jesus, trazia o ritual da antropofagia. O primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira, Marlon Lamar e Lucinha Nobre, após a apresentação encenou um parto na avenida. O carro abre-alas representava a própria Guajupiá, paraíso que, segundo os Tupinambás, estava destinado aos grandes guerreiros após a morte. Conta a lenda que, no processo de migração que os espalhou pela costa brasileira, ao avistarem à baía da Guanabara, o cenário era tão bonito que, para os indígenas, eles teriam sido agraciados com a descoberta do Guajupiá ainda em vida. Numa combinação de azul e amarelo cítrico, a alegoria destacava a fauna nativa que habitava o entorno da baía. A grande Águia da Portela, com movimentos surpreendentes, conquistou o prêmio de Estandarte de Ouro de “inovação”, imediatamente entrando para o hall de Águias antológicas que a majestade do samba já apresentou. Esta Águia pode ser vista como uma metáfora da própria escola. O símbolo mais tradicional do carnaval carioca se mantém vivo, moderno, tão atual que é considerado a maior inovação exibida no início da segunda década do século XXI.
A partir do abre-alas, ainda referente ao primeiro quadro, o enredo apresentou fantasias representando a exuberância da natureza encontrada pelos indígenas ao chegarem naquilo que é hoje o território do Rio de Janeiro, com destaque para a ala das baianas, comandadas por Jane Carla, que vestia uma roupa com várias tonalidades de azuis, numa alusão às águas da baía da Guanabara. Logo em seguida, abrindo o quadro chamado “Aldeia Karioca, vida plena”, a ala Sambart representou a Arara Canindé-Louue, com Jerônimo Patrocínio, de destaque de chão, interagindo com os componentes e arrancando aplausos. Na sequencia, a ala dos impossíveis representava Îagûara, a onça. Yuri Souza e Camylla Nascimento, segundo casal de mestre-sala e porta-bandeira, brilharam fantasiados de “Raios de sol. Finalizando o setor, o segundo carro, representando a própria Aldeia Karioca, fez sucesso pela realista escultura de um curumim tocando flauta, tendo em volta a fauna local. No alto, iluminados, o sol e a lua dividiam espaço no céu.
O terceiro quadro, “Okara”, apresentava nas fantasias os hábitos e costumes da aldeia. Vestida de Cabocla Jurema, a Rainha Bianca Monteiro representou a luta das mulheres indígenas. A bateria de Nilo Sérgio fez uma apresentação impecável. Com uma luxuosa fantasia nomeada de “Tambores da mata”, a Tabajara do samba garantiu a nota máxima em todos os jurados, conquistando prêmios como o samba-net. O carro 03, “Maloca”, trouxe para a avenida as cerâmicas, pás de remo e outros produtos do trabalho indígena, que procurava, no dia a dia, aliar praticidade e beleza. No alto, um grande Pajé parecia abençoar a todos os desfilantes. Na parte de trás, uma grande Águia, o Guira Guaçu, chamava a atenção do público.
No quarto quadro, “Kauí”, o enredo mostrava a importância da principal bebida produzida pelos indígenas, consumida tanto em cerimônias sagradas quanto nas festas profanas. No contexto deste setor, o terceiro casal de mestre-sala e porta-bandeira, Emmanuel Lima e Rosilaine Queiroz, apresentava fantasia intitulada “Beber para não cair”. Logo em seguida, a quarta alegoria trouxe uma festa Tupinambá, com grandiosas esculturas de indígenas tocando instrumentos musicais. Por fim, o quinto quadro, “Guajuipá, o que fizemos de ti”, promovia uma reflexão sobre os dias atuais, indagando como seria nossa caótica sociedade se, em vez de exterminá-los, tivéssemos aprendido os ensinamentos dos povos originários que nos antecederam. A última alegoria representava uma grande metrópole, com seus prédios espelhados e contrastes sociais, com duas esculturas de Indígenas “flechando a vida moderna”. Este carro trouxe as nossas velhas guardas, além de representantes da Aldeia Mata Verde Bonita, localizada no município de Maricá.
Após os dois dias de desfiles, a expectativa dos portelenses era grande. Bastante elogiada pela imprensa, a Portela ganhou prêmios como o Tamborim de Ouro de melhor escola, sendo apontada como uma das postulantes ao título. Todos reconheceram o belo trabalho do carnavalesco Renato Lage. Contudo, a abertura dos envelopes frustrou os torcedores da Majestade do samba. No total, a Portela gabaritou quatro quesitos: Samba-enredo, Enredo, Evolução e Bateria. No quesito Alegorias e Adereços, a Portela também tirou nota máxima, mas um jurado, que não deu nota dez para ninguém, penalizou a escola com dois décimos que foram descartados. A Harmonia, considerando o descarte, perdeu um décimo por jurados que, basicamente, julgaram, pelo sistema de som do sambódromo, a harmonia musical dos instrumentos do carro de som. Todavia, a escola foi muito penalizada nos quesitos Comissão de frente, não recebendo nenhuma nota máxima. No quesito Mestre-sala e Porta-bandeira, talvez pela não compreensão da proposta e pela roupa de Lucinha, que simulava uma indígena gravida, nenhuma nota dez foi conquistada. O mesmo aconteceu com o quesito Fantasia, apesar dos muitos elogios ao trabalho plástico apresentado pela escola. No final, a Portela ficou apenas na sétima colocação, quebrando a sequencia de seis apresentações seguidas no desfile das campeãs. No dia seguinte da apuração, era confirmado o primeiro caso de COVID-19 no Brasil.FICHA TÉCNICA:
Presidente: Luis Carlos Magalhães
Vice-presidente: Fábio Pavão
Carnavalescos: Renato Lage e Márcia Lage
Comissão de Carnaval: Claudinho Portela, Junior Escafura e Higor Machado.
Assistentes da Comissão de carnaval: Nívea Martini e Marcus Vinícius
Comissão de harmonia: Chopp, Léo Brandão, Nilce Fran, Márcio Emerson, Jorge Barbosa, Sérvolo Alves e Walter Moura.
1º Casal de mestre-sala e porta-bandeira: Marlon Lamar e Lucinha Nobre
Coreógrafos do 1º casal: Viviane Martins e Mayombe Masai
Intérpretes: Gilsinho
Mestre de bateria: Nilo Sérgio
Rainha de bateria: Bianca Monteiro
Coreógrafos da comissão de frente: Carlinhos de Jesus
Diretor de barracão: Higor Machado
2º Casal: Yuri Souza e Camylla Nascimento
3º Casal: Emmanuel Lima e Rosilaine Queiroz
Responsável pela ala das baianas: Jane Carla.
Responsável pelos passistas: Nilce Fran
1º Destaque: Carlos Reis
Coordenador de Destaques: Carlos Ribeiro
Ala de compositores Ary do Cavaco: Sérgio Procópio, Wanderlei Monteiro e Camarão Neto.
Departamento Feminino: Aldalea Rosa Negra da Portela
Galeria da Velha Guarda: Aymoré AzevedoSamba-enredo:
Compositores: Valtinho Botafogo, Rogério Lobo, José Carlos, Zé Miranda, Beto Aquino, Pecê Ribeiro, D´Sousa e Araguaci
Clamei aos céus
A chama da maldade apagou
E num dilúvio a Terra ele banhou
Lavando as mazelas com perdão
Fim da escuridão Já não existe a ira de Monã
No ventre há vida, novo amanhã Irim Magé já pode ser feliz
Transforma a dor Na alegria de poder mudar o mundo
Mairamuãna tem a chave do futuro
Pra nossa tribo lutar e cantarAuê, auê, a voz da mata, okê okê arô
Se Guanabara é resistência
O índio é arco, é flecha, é essênciaAo proteger Karióka
Reúno a maloca na beira da rede
Cauim pra festejar... purificar
Borduna, tacape e ajaré
Índio pede paz, mas é de guerra
Nossa aldeia é sem partido ou facção
Não tem “bispo”, nem se curva a “capitão”
Quando a vida nos ensina Não devemos mais errar
Com a ira de Monã Aprendi a respeitar a natureza, o bem viver
Pro imenso azul do céu
Nunca mais escurecerÍndio é Tupinambá
Índio tem alma guerreira
Hoje o meu Guajupiá é Madureira
Voa águia na floresta
Salve o samba, salve ela
Índio é dono desse chão
Índio é filho da Portela
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