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2019
Quando a assessoria de Marketing da Portela divulgou o vídeo de apresentação do enredo para o carnaval de 2019, imediatamente os portelenses se alvoroçaram nas redes sociais e pelas ruas de Oswaldo Cruz e Madureira. Clara Nunes já havia sido mencionada em diversos desfiles da Portela, mas nunca havia sido homenageada como tema principal do enredo. O desenvolvimento proposto pela carnavalesca Rosa Magalhães mostrou-se um tanto quanto heterodoxo, fazendo referências, no primeiro setor, às origens da brasilidade que caracterizaram os melhores momentos da cantora, com especial referência ao quadro “carnaval em Madureira”, pintado por Tarsila do Amaral no ano de 1924. A sinopse foi escrita por Fábio Pavão e Rogério Rodrigues. No elenco principal da escola, a única mudança foi a chegada do consagrado coreógrafo Carlinhos de Jesus, que substituiu Sérgio Lobato no comando da Comissão de frente.
Acentuando a crise do carnaval, a Prefeitura cortou novamente pela metade as verbas de subvenção, atrasando também a data do repasse. A empresa de transporte por aplicativo não renovou o patrocínio, mas, agindo como “Salvador da Pátria”, o governo do Estado do Rio de Janeiro conseguiu um aporte financeiro de uma empresa de energia elétrica, que entrou na conta das escolas quinta-feira após o carnaval. Ciente das dificuldades, a Portela se preparou para mais uma vez disputar o campeonato. No concurso de sambas, a obra composta por Jorge do Batuke, Valtinho Botafogo, Rogério Lobo, Beto Aquino, Claudinho Oliveira, José Carlos, Zé Miranda, D´Souza e Araguaci caiu nas graças dos portelenses, que a plenos pulmões berravam o slogan “Axé sou Eu”. Era a primeira vitória desta parceria, para a alegoria especialmente de Jorge do Batuke, que, após vencer o concurso de samba de terreiro, consagrava-se finalmente como autor de samba-enredo oficial da Portela.
Terceira escola a desfilar na segunda-feira de carnaval, a comissão de frente exaltou a religiosidade de Clara Nunes. Eram as guerreiras de Iansã, que abriam os caminhos da Portela na avenida, numa exibição que contava com a participação especial da cantora Mariene de Castro. A exibição rendeu o prêmio Estandarte de Ouro, embora as notas não tenham sido as desejadas. Vestida de Clara Nunes, a porta-bandeira Lucinha Nobre emocionou a todos, apresentando-se mais uma vez com Marlon Lamar, que representava a Águia, símbolo da Portela. O bailado da Águia e do Sabiá foi um dos grandes destaques daquele desfile, rendendo os 40 pontos, ou seja, a nota máxima em todas as cabines de jurados. O carro abre-alas trazia uma floresta com araras e sabiás, reproduzindo o som ambiente dos pássaros, numa alusão à brasilidade do álbum “As forças da natureza”. No alto, a grande Águia planava na avenida.
No segundo setor, o enredo abordava a “brasilidade de Madureira”, com as fantasias remetendo ao carnaval de 1924, o mesmo em que Tarsila do Amaral, após visitar Madureira, teria se inspirado no coreto local para fazer sua pintura. Uma das alas foi desenhada por Jean Paul Gautier, firmando uma inédita parceria entre um grande estilista e uma artista do carnaval carioca. O segundo carro era uma reprodução do mencionado quadro, com a “Torre Eiffel suburbana” apinhada de foliões num grande baile de carnaval. Fundada em 1923, o ano de 1924 marcou também o primeiro carnaval da história da Portela, fato que inspirou a fantasia do segundo casal de mestre-sala e porta-bandeira, Yuri Souza e Camylla Nascimento, que desfilou representando o “primeiro carnaval da Portela”.
O terceiro setor apresentava a “Brasilidade mineira”, ou seja, a influência que a terra natal de Clara Nunes exerceu sobre seu estilo musical. As fantasias faziam referência às manifestações culturais e festas populares do interior do Estado de Minas Gerais, sobretudo do município de Caetanópolis, onde a artista nasceu e passou a infância. Um tripé com grandes carretéis de linhas, em que as componentes, coreografadas pela dupla João e Dani, encenavam estarem tecendo na avenida, lembrava o primeiro emprego de Clara, como tecelã numa fábrica de tecidos. Emmanuel Lima e Rosilaine Queriroz, terceiro casal de mestre-sala e porta-bandeira, desfilaram representando as festas folclóricas de Minas. A alegoria que fechava o setor expôs o contraste entre uma simplória igrejinha e a riqueza do barroco, trazendo, na parte frontal, representando os pais de Clara Nunes, o casal Glória Pires e Orlando Moraes.
No quarto setor, “A brasilidade de raíz africana”, o enredo mostrou a influência que a religiosidade de matriz africana exerceu sobre a artista. Vestida de Oyá Onirá, Bianca Monteiro reinou à frente da Tabajara do Samba, mais uma vez comandada por Mestre Nilo Sérgio. Nilce Fran, que havia assumido também o comando dos passistas masculinos, após a saída de Valcir Pelé tornou-se a responsável pela ala dos impossíveis. Tratava-se de uma relação familiar, uma vez que seu pai, Vanderlei Francisco, havia sido um dos líderes da versão original do grupo. Na verdade, os impossíveis, juntamente com a ala Sambart, comandada por Jerônimo Patrocínio, representavam, respectivamente, Iansã e Ogum, recebendo elogios até do corpo de jurados. Fechando o setor, a quarta alegoria, “Conto de areia”, trazia o panteão de Orixás africanos girando na avenida, tendo, no alto, representando Oxalá no queijo central, o destaque Nil de Yemonjá.
No quinto e último setor, o enredo mostrava a relação entre a cantora e a Portela, com as alas fazendo referência, sobretudo, aos desfiles em que Clara Nunes participou, como Ilu Ayê (1972), Macunaíma (1975) e Ressureição das Coroas (1983). A última alegoria, “altar do samba”, lembrava o altar pessoal que a artista mantinha em sua casa, inspiração para que seu Marido, Paulo Cesar Pinheiro, escrevesse a canção “Portela na Avenida”. Na frente, a atriz Emanuele Araújo interpretava a homenageada, enquanto Milton Gonçalves, ao seu lado, vestia-se como Natal. Mestre Candeia também foi lembrado. As velhas guardas e os amigos da cantora também ocupavam este carro, repleto de referências religiosas cristãs e afro-brasileiras. No alto, uma grande escultura de Nossa Senhora Aparecida fechava o desfile.
A Portela deixou a avenida bastante aplaudida, mas a evolução apresentou alguns percalços. Um problema no abre-alas fez com que a alegoria parasse em plena pista. Os empurradores alocados nos demais carros foram chamados para ajudar, e, a partir da segunda cabine, a questão foi solucionada, mostrando a capacidade da Portela em superar os imprevistos. Contudo, tal problema fez com que a escola perdesse um décimo no quesito Evolução, A Portela também foi penalizada com um décimo no quesito Alegorias e Adereços, dois em Bateria e três em Comissão de Frente. No final, a escola terminou com a quarta colocação. Era a sexta vez seguida que a Majestade do samba participava do desfile das campeãs, confirmando sua melhor sequencia de resultados desde a construção do sambódromo, em 1984. Tal desempenho fez com que, pela primeira vez, a Portela alcançasse a liderança do ranking da LIESA.FICHA TÉCNICA:
Presidente: Luis Carlos Magalhães
Vice-presidente: -
Carnavalesca: Rosa Magalhães
Comissão de Carnaval: Fábio Pavão, Claudinho Portela, Marcos Aurélio Fernandes e Junior Schall.
Assistentes da Comissão de carnaval: Nívea Martini e Marcus Vinícius
Comissão de harmonia: Chopp, Léo Brandão, Nilce Fran, Márcio Emerson, Jorge Barbosa, Sérvolo Alves e Walter Moura.
1º Casal de mestre-sala e porta-bandeira: Marlon Lamar e Lucinha Nobre
Coreógrafa do 1º casal: Camille Sales
Intérpretes: Gilsinho
Mestre de bateria: Nilo Sérgio
Rainha de bateria: Bianca Monteiro
Coreógrafos da comissão de frente: Carlinhos de Jesus
Diretor de barracão: Higor Machado
2º Casal: Yuri Souza e Camylla Nascimento
3º Casal: Emmanuel Lima e Rosilaine Queiroz
Responsável pela ala das baianas: Jane Carla.
Responsável pelos passistas: Nilce Fran
1º Destaque: Carlos Reis
Coordenador de Destaques: Carlos Ribeiro
Ala de compositores Ary do Cavaco: Jane Garrido, Arlindão e Walter Alverca.
Departamento Feminino: Aldalea Rosa Negra da Portela
Galeria da Velha Guarda: Roberto CamargoSamba-enredo
Compositores: Jorge do Batuke, Valtinho Botafogo, Rogério Lobo, Beto Aquino, Claudinho Oliveira, José Carlos, Zé Miranda, D´Souza e Araguaci
Axé... sou eu
Mestiça, morena de Angola, sou eu
No palco, no meio da rua, sou eu
Mineira, faceira, sereia a cantar, deixa serenar
Que o mar... de Oswaldo Cruz a Madureira
Mareia... a brasilidade do “Meu lugar”
Nos versos de um cantador
O canto das raças a me chamar
De pé descalço no templo do samba estou
É rosa, é renda, pra Águia se enfeitar
Folia, furdunço, ijexá Na festa de Ogum Beira-Mar
É ponto firmado pros meus orixásEparrei Oyá, Eparrei...
Sopra o vento, me faz sonhar
Deixa o povo se emocionar (refrão)
Sua filha voltou, minha mãePra ver a Portela tão querida
E ficar feliz da vida
Quando a Velha Guarda passar
A negritude aguerrida em procissão
Mais uma vez deixei levar meu coração
A Paulo, meu professor
Natal, nosso guardião
Candeia que ilumina o meu caminhar
Voltei à Avenida saudosista,
Pro Azul e Branco modernista... eternizar
Voltei, fiz um pedido à Padroeira
Nas Cinzas desta Quarta-feira... comemorar
Nossas estrelas no céu estão em festaLá vem Portela com as bênçãos de Oxalá
No canto de um Sabiá (refrão) Sambando até de manhã
Sou Clara Guerreira, a filha de Ogum com Iansã
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