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2017
Corria o mês de maio quando, numa ensolarada tarde de festa e alegria, os portelenses aclamaram Marcos Falcon como novo presidente. Para a função de vice-presidente, assumia Luis Carlos Magalhães, então Diretor Cultural. As primeiras medidas para o carnaval de 2017 foram anunciadas antes mesmo do processo eleitoral. Após três anos, o intérprete Wantuir deixou a Portela, fazendo com que Gilsinho voltasse a empunhar sozinho o microfone oficial da escola. Para o lugar de Luiz Carlos Bruno, que deixava o cargo de Diretor de Carnaval, foi montada uma comissão formada por Fábio Pavão, que passaria a acumular também a função de Presidente do Conselho Deliberativo; Moisés Carvalho, que exercia a função de Diretor de barração e Claudinho Portela, membro da equipe que trabalhava com Luiz Carlos Bruno. Para completar o time, Paulo Barros, em seu segundo carnaval na escola, acumularia também a função de membro da comissão de carnaval. Outra mudança foi a contratação do coreógrafo Renato Vieira, que substituiria Ghislaine Cavalcante, Marcelo Sandrini e Roberta Nogueira no comando da Comissão de frente. Por fim, na comissão de harmonia, além da saída Valcir Pelé, que permaneceu apenas como coordenador de passistas, o veterano Chopp retornou à escola em substituição a Tavinho Novello. O enredo anunciado, criado mais uma vez pelo carnavalesco Paulo Barros e sua equipe, tinha o título de “Foi um rio que passou em minha vida e meu coração de deixou levar”, numa alusão direta ao clássico de Paulinho da Viola. A escola iniciava sua preparação com a certeza de que faria um grande espetáculo.
Todavia, na tarde de 26 de setembro de 2016, o brutal assassinato do Presidente Marcos Falcon chocou os portelenses, abrindo um período de dúvidas. Três dias depois, garantindo a estabilidade política, o Conselho Deliberativo da Portela, em sessão extraordinária, reafirmou apoio ao mandato de Luis Carlos Magalhães, que, seguindo as determinações estatutárias, assumia o cargo de Presidente Executivo. Os primeiros meses foram difíceis. Para muitos, Marcos Falcon foi o maior líder da Portela desde Natal, de forma que seu súbito desparecimento teve grande impacto no quotidiano da escola. Semanas depois, com os ânimos exacerbados, a final do concurso de samba enredo terminou numa confusão incomum, fato que teve ampla divulgação na grande mídia. Porém, pouco a pouco, conforme o carnaval se aproximava, o jeito tranquilo de Luis Carlos Magalhães se impôs sobre as incertezas, trazendo novamente a paz.
Durante a gravação do samba-enredo, para não ferir os direitos autorais, o título do enredo foi alterado para “Quem nunca sentiu o corpo arrepiar ao ver este rio passar”, aproveitando um trecho do samba vencedor. Ainda pouco depois da escolha do samba, a ex-passista Bianca Monteira, que, por duas vezes seguidas, também integrou a corte do carnaval como princesa, foi corada Rainha de Bateria da Portela, em substituição a Patrícia Neri. Décadas depois, a Portela voltava a ter uma Rainha de bateria nascida e criada em sua comunidade. Ao longo dos meses de preparação, coube às novas comissões de carnaval e harmonia adequar a Portela às mudanças no regulamento. O número máximo de alegorias foi reduzido para seis. O tempo máximo de desfile passou a ser de setenta e cinco minutos, o que, para compensar, motivou a diminuição de paradas para a apresentação aos jurados, com a instituição da chamada “cabine dupla”. Para evitar sustos e correrias, o planejamento de desfile precisava ser bastante eficiente, exigindo cálculos e ensaios na Estrada Intendente Magalhães e no sambódromo, neste último local durante as madrugadas. Faltando pouco menos de um mês para o desfile, desentendimentos conceituais em relação ao projeto motivaram a saída do coreógrafo da Comissão de frente Renato Vieira, que foi substituído pela dupla Leo Sena e Kally Siqueira, responsáveis pela coreografia de uma das alegorias da escola. Para aproveitar ao máximo o tempo restante, a Portela alugou o armazém Utopia, na Zona Portuária, fazendo um trabalho intensivo para preparar sua comissão, alternando, na reta final, com ensaios também no barracão ou na cidade do Samba, aprimorando especialmente o entrosamento do grupo com o casal Danielle Nascimento e Alex Marcelino.
Quando a Portela entrou na avenida, segunda-feira de carnaval, as arquibancadas ainda estavam impactadas pelo acidente ocorrido com uma das alegorias da escola anterior, a Unidos da Tijuca. A potente voz do intérprete Gilsinho, cantando o belo samba de Samir Trindade, Elson Ramires, Neyzinho do Cavaco, Paulo Lopita 77, Beto Rocha, Girão e J. Sales, precisou se impor sobre tristeza, especialmente diante do setor 01. A Comissão de frente, mais uma vez trazendo uma carreta como elemento cenográfico, única estrutura capaz de suportar com segurança milhares de litros d´água, representou o fenômeno da piracema. A atriz Leona Cavavali era uma das integrantes. Representando Oxum e Oxossi, os Orixás protetores da Portela, o casal Alex Marcelino e Danielle Nascimento fizeram apresentações irretocáveis em todas as cabines. Na sequencia, um tripé trazendo a Águia antecedia ao carro abre-alas, “Fonte da vida”, que jorrava água sobre a luxuosa fantasia do primeiro destaque, Carlos Reis, e das demais composições, formada por homens com os corpos pintados de dourado.
A escola fluía na avenida. No primeiro setor, chamado “O passado é um presente do rio”, rios históricos, berços de grandes civilizações, como o rio Amarelo e o Ganges, eram representados nas alas. A segunda alegoria, além dos motivos egípcios, trazia uma complexa estrutura de ferro, com as embarcações subindo e descendo uma parede vertical que reproduzia o leito do Nilo, enquanto a água vertia em queda livre. O segundo setor, “Seres do rio”, apresentava criaturas, reais ou mitológicas, que estão intrinsicamente associadas aos rios, como os crocodilos, o boto cor de rosa e a Iara. A terceira alegoria fazia referência à Boiuna, trazendo uma cobra soltando fumaça na Sapucaí. Fernando Fernandes, tetracampeão mundial de paracanoagem, aparecia quando a serpente abria a boca. Nas laterais da alegoria, dezenas de canoas entravam e saía, num movimento típico do carnavalesco Paulo Barros.
Com uma evolução impecável, a Portela avançava na pista. No terceiro setor, “vida e morte ao longo do rio”, os ribeirinhos, as lavadeiras e quem mais vive em função dos rios foram homenageados. A estreante Bianca Monteiro trajava uma fantasia representando o “fascínio do pescador”, brilhando a frente da Tabajara de Mestre Nilo Sérgio. Vestido de “pescadores”, a Bateria da Portela teve um grande desempenho, conquistando a nota máxima. A quarta alegoria, sem dúvida uma das mais impactantes daquele carnaval, trazia um pescador sujo de lama, lamentando a tragédia na barragem do Rio Doce, no município mineiro de Mariana, que chocou o país meses antes do carnaval.
O desfile avançava. Tudo acontecia conforme o esperado, sem qualquer imprevisto. O quarto setor, ‘Alma do rio”, mostrava a relação dos rios com a arte e a cultura, desde o blues, que floresceu às margens do Mississipi, até a bela arquitetura da catedral de Notre Dame. O segundo casal de mestre-sala e porta-bandeira, Marlon Flores e Camylla Nascimento, representava com sua fantasia exatamente a histórica igreja francesa. A alegoria 05, a “Canção do rio dos pássaros”, numa referência ao rio Uruguai, encenou uma revoada de aves, que, graças a componentes presos por cabos de aço, alçavam seus voos no sambódromo.
Tecnicamente perfeita, a Portela deslizava na avenida. O quinto e último setor, “Meu coração se deixou levar”, fazia referência à própria Portela. Merece destaque a última alegoria, que contava com a presença da galeria da velha guarda e da velha guarda show, em especial Mestre Monarco. No alto, um destaque representava a imagem de Nossa Senhora Aparecida. Nas laterais, em determinados momentos, duas gigantescas bandeiras com a imagem de Marcos Falcon eram desfraldadas, numa homenagem ao homem que liderou a escola nos últimos anos.
Mais uma vez deixando a avenida na condição de favorita, os portelenses aguardavam ansiosos pelo resultado. No final, a comunidade explodiu de alegria. Após 33 anos, ou seja, pela primeira vez desde o carnaval de 1984, a Portela voltava a se sagrar campeã do carnaval carioca. Era a tão sonhada e aguardada 22ª estrela. Um título incontestável sob qualquer aspecto, em que a escola obteve 33 notas 10 entre 36 possíveis, de longe o melhor desempenho entre as últimas campeãs do sambódromo. Um mês depois, sem alterar as notas, o plenário da LIESA decidiu também declarar como campeã a Mocidade Independente de Padre Miguel.
.FICHA TÉCNICA:
Presidente: Luis Carlos Magalhães
Vice-presidente: -
Carnavalesco: Paulo Barros
Comissão de Carnaval: Paulo Barros, Fábio Pavão, Moisés Carvalho e Claudinho Portela.
Assistentes da Comissão de carnaval: Marcos Vinícius e Felipe Gordinho.
Comissão de harmonia: Chopp, Jerônimo do Patrocínio, Léo Brandão, Nilce Fran, Márcio Emerson, Jorge Barbosa, Sérvolo Alves e Walter Moura.
1º Casal de mestre-sala e porta-bandeira: Alex Marcelino e Danielle Nascimento
Coreógrafo do 1º casal: Fábio Costa
Intérpretes: Wantuir e Gilsinho
Mestre de bateria: Nilo Sérgio
Rainha de bateria: Bianca Monteiro
Coreógrafos da comissão de frente: Leo Senna e Kelly Siqueira
Diretor de barracão: Moisés Carvalho
2º Casal: Marlon Flores e Camylla Nascimento
Responsável pela ala das baianas: Jane Carla.
Responsável pelos passistas: Valcir Pelé e Nilce Fran
1º Destaque: Carlos Reis
Coordenador de Destaques: Carlos Ribeiro
Ala de compositores Ary do Cavaco: Jane Garrido, Arlindão e Walter Alverca.
Departamento Feminino: Aldalea Rosa Negra da Portela
Galeria da Velha Guarda: Roberto CamargoSamba-enredo
Compositor: Samir Trindade, Elson Ramires, Neyzinho do Cavaco, Paulo Lopita 77, Beto Rocha, Girão e J. Sales
Vem conhecer esse amor
A levar corações através dos carnavais
Vem beber dessa fonte
Onde nascem poemas em mananciais
Reluz o seu manto azul e branco
Mais lindo que o céu e o mar
Semente, de Paulo, Caetano e Rufino
Segue seu destino e vai desaguar
A canoa vai chegar na aldeia
Alumia meu caminho, Candeia
Onde mora o mistério tem sedução
Mitos e lendas do ribeirãoCantam pastoras e lavadeiras pra esquecer a dor
Tristeza foi embora, a correnteza levou
Já não dá mais pra voltar (ô, Iaiá)
Deixa o pranto curar (ô, Iaiá)
Vai, inspiração, voa em liberdade
Pelas curvas da saudade
Oh, Mamãe, ora yê yê ô, vem me banhar de axé, ora yê yê ôÉ água de benzer, água pra clarear
Onde canta um sabiáSalve a Velha Guarda, os frutos da jaqueira
Oswaldo Cruz e Madureira
Navega a barqueata, aos pés da Santa em louvação
Para mostrar que na Portela o Samba é religiãoO perfume da flor é seu
Um olhar marejou, sou eu
Quem nunca sentiu o corpo arrepiar
Ao ver esse Rio passar
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