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2015
A expectativa era grande. Os primeiros componentes vestindo azul e branco se aproximavam da pista. A bateria, ainda silenciosa, ajustava seus instrumentos perto do portão de entrada. De repente, a arquibancada alvoroçada olha para o céu. Pontos brancos deixavam rastros pirotécnicos na noite carioca, dando a sensação de estarem ziguezagueando por entre as estrelas. Porém, desfazendo a ilusão inicial, era possível perceber que estavam bem mais perto, na verdade aproximando-se do sambódromo. Quando os holofotes da Sapucaí finamente venceram a escuridão soturna, todos viram tratar-se de paraquedistas, profissionais que, mostrando grande habilidade, em pouco tempo aterrissaram na avenida, exibindo em letras garrafais o nome “Portela”. Era a surpresa que, pessoalmente, Marcos Falcon se empenhou para viabilizar. A “Águia drone”, que causou furor no ano anterior, também retornou para a pista, novamente fazendo sucesso. Todavia, o que marcou o desfile da Portela naquele não demoraria muito a aparecer. No carro abre-alas, parado na curva, um escultura deitava-se sobre um platô. Ainda despercebida, estava sendo completamente ignorada pelo Setor 01, até começar a se erguer, lentamente, para em seguida abrir os abraços, alcançando todo o seu esplendor. Imponente e majestosa, sem dúvida já surgia antológica, eternizada na memória dos portelenses e amantes das escolas de samba, mas não apenas deles. O carnaval ganhara mais um símbolo. Subitamente, a “Águia redentora” entrava para a história da cidade do Rio de Janeiro.
Desta forma se iniciava a apresentação mais aguardada daquele carnaval. Como consequência do bom desempenho no ano anterior, despois de muito tempo a Portela despontava no pré-carnaval não apenas como candidata ao título, mas como favorita. Naquele momento, a entrada avassaladora de seu símbolo parecia confirmar às expectativas. Nos meses anteriores, conforme as etapas de preparação se sucediam na quadra e no barracão, a esperança dos portelenses aumentava. O enredo escolhido, “ImaginaRIO, 450 Janeiros de uma Cidade Surreal”, criado e desenvolvido pelo carnavalesco Alexandre Louzada, tinha a proposta de apresentar um enfoque diferente sobre Rio de Janeiro, a partir de um olhar surrealista inspirado em Salvador Dali. Quando as fantasias foram apresentadas à quadra lotada, através de um telão, a comunidade se empolgou. O samba já fazia enorme sucesso. Poucas vezes o resultado de um concurso na Portela havia sido tão unânime, com uma obra sendo cantada em coro pela quadra, de forma uníssona, antes mesmo dos compositores subiram ao palco. Diante do público, ouvindo o contagiante refrão “Sou carioca, sou de Madureira” ser entoado, o veterano compositor Noca da Portela parecia uma criança. Era a sua sétima vitória, número que o fazia igualar Davi Corrêa na condição de maior vitorioso da história da majestade do samba. Os demais parceiros, Celso Lopes, Charlles André, Vinícius Ferreira e Xandy Azevedo também transbordavam felicidade. Depois de várias tentativas, pela primeira vez eles saíam vitoriosos, e de maneira incontestável. Boa parte da preparação para este desfile foi captada pelas lentes do cineasta Nelson Hoineff, resultando no filme “82 minutos”, sobre os bastidores do carnaval da Portela em 2015.
Entre as novidades apresentadas pela Portela neste carnaval, estava a presença de Wander Pires no carro de som. Ele defendeu brilhantemente o samba vencedor durante a disputa, sendo convidado a fazer dupla com Wantuir. A comissão de harmonia foi reformulada, sendo composta por Jorge Pitanga, Leandro Germano e Washington Jorge. Para auxiliar o diretor de carnaval nos trabalhos de quadra e barracão, a equipe era formada por Fábio Pavão, Moisés Carvalho, Fábio França, Jorge Ipanema e Luciano Luck. A grandiosidade do espetáculo proposto foi um desafio que precisou ser vencido diariamente, ainda durante a fase de preparação. Para complicar, foi necessário superar alguns infortúnios gerados pela natureza. Duas semanas antes do desfile, enquanto a Portela iniciava seu ensaio técnico no sambódromo, uma forte tempestade despencou sobre os componentes. No domingo de carnaval, enquanto a primeira escola iniciava sua apresentação, outra forte tempestade atingiu o Rio de Janeiro. Era o exato momento em que a Portela retirava suas alegorias do barracão. Com parte de seus carros já na área externa, uma queda de luz precisou interromper a delicada manobra. Como consequência, a chuva danificou um tripé em forma de golfinho, e, apesar dos esforços para restaurá-lo, algumas marcas permaneceram visíveis, justificando a penalização de um dos julgadores.
Naquela abertura de desfile antológica, a atriz Sheron Menezes, ex-Rainha de bateria, desfilou a frente da Comissão de frente, junto aos diretores da escola e a “Águia-drone”. A comissão de frente, denominada “O tempo que passa com graça de não passar”, apresentava uma ousada proposta de levar quatro elencos diferentes para a avenida, totalizando 48 componentes. Dois integrantes, representando o pintor Salvador Dali e o carnavalesco Alexandre Louzada, permaneciam durante toda a apresentação. Os elencos se alternavam, reproduzindo lugares importantes para o carioca, como o Jardim Botânico, a Lapa e o sambódromo. O tripé, além de trazer uma bela Águia com suas cores naturais, tinha em destaque o famoso relógio retorcido, talvez a principal referência da arte surrealista. O relógio, na verdade, era a moldura de um telão, que passava imagens de pontos turísticos do Rio de Janeiro. Enquanto os elencos se alternavam na pista, imagens pré-gravadas mostravam os componentes nos respectivos lugares por eles representados. No momento em que a apresentação da comissão terminava, o telão exibia a eternamente doce imagem de Dona Dodô, falecida cerca de um mês antes do carnaval, juntamente com a frase “Agora é com você, Danielle”, saudando o início da apresentação da primeira porta-bandeira, Danielle Nascimento, que formava par com o estreante Alex Marcelino. Antes do histórico Abre-alas, ainda se apresentou a ala das baianas, com uma riquíssima fantasia branca repleta de Candelabros de led, celebrando os 450 anos da cidade maravilhosa. Fechando o setor, uma alegoria igualmente branca, iluminada por mais de uma centena de candelabros, tendo dezenas de componentes aos pés da Águia Redentora.
No segundo setor, o enredo viajava por uma visão surrealista do período de fundação do Rio de Janeiro, apresentando uma olhar original sobre portugueses, franceses e indígenas Tamoios e Temiminós. Fo neste setor que o já mencionado tripé em forma de golfinho entrou na avenida, como se fosse uma caravela surrealista, tendo no lugar de velas coloridas asas de borboletas. O segundo carro, um dos maiores do desfile, trazia uma sereia mergulhando nas águas da Baía de Guanabara, com as ondas do mar representadas por telões de led. No terceiro setor, o enredo mostrou, também de forma surrealista, a fauna e a flora típicas da cidade. Douglas Barbosa e Camylla Nascimento, terceiro casal de mestre-sala e porta-bandeira, desfilaram com uma bela fantasia intitulada “Bailando pelas águas do jardim”. O terceiro carro, “Um nobre jardim”, reproduzia de forma surreal a beleza do Jardim Botânico.
O quarto setor mostrava a fusão entre a natureza e as belas canções, união tipicamente carioca. Patrícia Neri desfilou de “Gala, a inspiração”. Desta vez, a Rainha teve a companhia de Carlinhos Brown, que se apresentou como “Rei da percussão”, vestindo uma fantasia chamada “Uma brasilidade surreal”. Mestre Nilo Sérgio, em seu décimo ano a frente da Tabajara do Samba, regia 300 ritmistas vestidos de “Salvadores do ritmo”. O Quarto carro, unindo ondas do mar e notas musicais, trazia um piano que esguichava água, tendo a atriz Leandra Leal como destaque. No alto, a escultura de um ovo abria e se fechava repetidas vezes, numa referência ao termo “carioca da gema”. Em seguida, o quinto setor mostrava o tumultuado cotidiano da cidade, com destaque para um grande túnel inflável. O coreógrafo Fábio Costa, depois de meses ensaiando exaustivamente, levou vários carrinhos para a avenida, encenando um engarrafamento. Os prazeres da noite carioca não ficaram de fora. Thiaguinho e Rosilaine Queiroz, segundo casal de mestre-sala e porta-bandeira, vestiam uma fantasia intitulada “Volúpia e sedução”. O quinto carro, “A alcova carioca, boemia para todos”, trazia os famosos arcos da Lapa, apresentado de forma sinuosa, como se fosse uma grande serpente. Na frente, uma grande escultura de Madame Satã tirava e colocava seu chapéu. As composições mostravam a democrática agitação do local, tendo como destaque o ator Antônio Graça.
No sexto setor, o enredo lembrava o futebol, sempre exaltado como uma das paixões dos moradores da cidade maravilhosa. Após várias alas alusivas ao tema, a sexta-alegoria mostrava um Maracanã transformado em nave espacial, em que drones em forma de bola decolavam e se movimentavam ao seu redor. No sétimo e último setor, uma bonita homenagem aos carnavalescos, provavelmente os artistas mais surreais da cidade. Alexandre Louzada pediu para que cada um de seus colegas criasse um figurino referente ao tema, e, em uma das alas, todos os desenhos recebidos foram reproduzidos e incluídos no desfile, ao lado do figurino e da assinatura de seu respectivo criador. A última alegoria, mostrando a grande torre da Central do Brasil, chamava-se “Trem de bambas, uma odisseia suburbana”. Aos pés do famoso relógio, uma composição de trem transportava nossa galeria da velha guarda, nossa velha guarda show e convidados especiais, como cantor e compositor Paulinho da Viola.
No final, como já era esperado, o samba sacudiu as arquibancadas. O público vibrou do início ao fim. Todavia, infelizmente alguns problemas afastaram a escola do título. O excesso de led fez com que a equipe responsável pela instalação ficasse sobrecarregada, deixando algumas falhas. Problemas nos geradores prejudicaram o carro 03, que passou apagado, e o carro 02, que acendia e apagava ao longo da avenida. Diante da Torre, a “Águia Redentora” se abaixo e, após livrar-se do obstáculo, ergueu-se novamente, levando o público ao delírio. Todavia, o movimento foi mais lento do que o ensaiado, fazendo com que a escola parasse na avenida. Um pouco mais adiante, quando deixava a pista, um problema no acoplamento fez com que o abre-alas precisasse ser serrado na dispersão, novamente fazendo com que a evolução fosse interrompida, desta vez por mais de cinco minutos. Todos estes imprevistos comprometiam o planejamento de desfile, e, para complicar ainda mais, uma pane silenciou os quatro canais do sistema de rádio, fazendo com que ninguém conseguisse se comunicar. De forma decisiva, isso contribuiu para que a Portela tivesse uma evolução irregular.
Após a abertura dos envelopes, a Portela ficou com a quinta colocação. Na verdade, terminou empatada em pontuação com a terceira e a quarta, mas perdendo nos critérios de desempate. Novamente, a expectativa se transformava em frustração, mas deixando ensinamentos importantes para os anos seguintes. Essa experiência foi o grande legado deixado pelo carnaval de 2015. Este e um novo símbolo, uma imagem icônica que acompanhará a Portela pelo restante de sua história. Uma gigantesca Águia branca de asas estendidas, abraçando de forma acolhedora todos os amantes do carnaval.FICHA TÉCNICA:
Presidente: Sergio Procópio
Vice-presidente: Marcos Falcon
Carnavalesco: Alexandre Louzada
Diretor de Carnaval: Luiz Carlos Bruno
Equipe de direção de carnaval: Fábio Pavão, Moisés Carvalho, Fábio França, Jorge Ipanema e Luciano Luck.
Comissão de harmonia: Leandro Germano, Washington Jorge e Jorge Pitanga
1º Casal de Mestre-sala e porta-bandeira: Alex Marcelino e Danielle Nascimento
Coreógrafo do 1º casal: Fábio Costa
Intérpretes: Wantuir e Wander Pires
Mestre de bateria: Nilo Sérgio
Rainha de bateria: Patrícia Neri
Coreógrafa da comissão de frente: Ghislaine Cavalcante
Diretor de barracão: Moisés Carvalho
2º Casal: Thiaguinho e Rosilaine Queiroz
3º Casal: Douglas Barbosa e Camylla Nascimento
Responsável pela ala das baianas: Jane Carla.
Responsável pelos passistas: Valcir Pelé e Nilce Fran
Coordenadores de Destaques: Carlos Ribeiro e Maria Helena Pires
Responsáveis pela comunidade: Márcio Emerson, Jorge Barbosa e Sérvolo Alves.
Ala de compositores Ary do Cavaco: Poly, Jane Garrido e Cirilo Reis
Departamento Feminino: Aldalea Rosa Negra da Portela
Galeria da Velha Guarda: Florinda Rodrigues
Ala das crianças: Maria Cristina Santana RibeiroSamba-enredo
Compositores: Noca da Portela, Celso Lopes, Charlles André, Vinícius Ferreira e Xandy Azevedo
Oh, meu Rio
A águia vem te abraçar e festejar “
Feliz Cidade” sem igual
Paraíso divinalE eu “daqui” feito “dali”
Em traços te retrato surrealA natureza lhe foi generosa
Na Guanabara formosa mulher
Despertou cobiça, beleza sem fim
Delícias de um nobre JardimEu vi o Menino do Rio versar
Um lindo poema
Para impressionar a princesinha do mar
Sonhando com a Garota de Ipanema
Vem amor, a Lapa dá o Tom pra boemia
Vem amor, a nave da emoção nos contagia
Lá vem o trem chegando com o povo do samba
Lá vai viola, o batuque só tem gente bamba
Tão bela! Orgulhosamente a Portela
Vem cantar em seu louvo ôôôôôô
Central do meu Brasil inteiro
Morada do RedentorSou carioca, sou de Madureira
A Tabajara levanta poeira P
ra essa festa maneira meu bem me chamou
Lá vem Portela, malandro, o samba chegou!
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