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2014
Os fogos explodem no céu de Madureira. A multidão enlouquecida invade a quadra. Por três votos de diferença, Sérgio Procópio e Marcos Falcon se elegeram, respectivamente, Presidente e Vice-presidente da Portela. Era o início de uma nova era na Majestade do samba, que, como todos imaginavam, nos meses seguintes passou por mudanças radicais. No que tange à organização do carnaval, o carnavalesco Alexandre Louzada, que havia sido contratado logo após o desfile, foi confirmado pela nova direção. Aquela era a terceira passagem do artista pela escola. Para a função de diretor de Carnaval, assumiu Luiz Carlos Bruno, ex-diretor de carnaval e carnavalesco da Unidos da Tijuca. Ele comandava um Departamento formado por Fábio Pavão, Paulo Renato Vaz e Marcos Aurélio Fernandes. Este último, que também passaria a ser representante da Portela na LIESA, retornava á agremiação após a derrota na eleição de 2004. Para completar a equipe de barracão, foi contratado Paulinho do Ouro, que retornava ao já ocupado posto de diretor de barracão, Moisés Carvalho, que trazia a experiência de já ter sido vice-presidente da Unidos do Porto da Pedra, Fábio França e Higor Machado. Para cantor oficial, foi escolhido o experiente Wantuir. Para coreografar a comissão de frente, assumiu o posto Ghislaine Cavalcante, que trazia em seu vitorioso currículo vários trabalhos histórico realizados pela Beija-Flor. Para defender o pavilhão portelense, Danielle Nascimento retornava à escola, desta vez para dançar com Diogo Jesus, jovem e promissor terceiro mestre-sala que foi promovido. Para comandar a direção de harmonia, Jorge Ipanema, Jorge Pitanga e Leandro Germano formaram uma comissão. Na bateria não houve mudanças, com a permanência de Mestre Nilo Sérgio e da Rainha Patrícia Neri em seus cargos.
O primeiro desafio da nova equipe seria melhorar o desempenho nos quesitos plásticos. Na festa de protótipos, realizada no barracão, as fantasias apresentadas por Alexandre Louzada era o primeiro sinal de que a escola estava no caminho certo. Em relação aos quesitos de chão, o diretor de carnaval trabalhou para transformar a Portela num corpo homogêneo, mais leve e dinâmico, capaz de realizar uma apresentação adequada ao carnaval moderno. Isso significava fazer com que os vários segmentos fossem pensados e preparados de forma coordenada, para que, ao se encontrarem na avenida, constituíssem verdadeiramente uma unidade. O sucesso deste trabalho pode ser verificar nas notas máximas obtidas no quesito Conjunto. O enredo foi idealizado por Rogério Rodrigues, integrante do novo Departamento cultural, que iniciava seu trabalho sob o comando de Luis Carlos Magalhães. A disputa de samba começou confusa. Um erro de interpretação fez com que muitas obras fossem construídas contendo equívocos. Após a primeira apresentação na quadra, a direção de carnaval, adotando uma postura inédita para a Portela, ordenou que o concurso fosse interrompido para que os compositores pudessem fazer ajustes em seus sambas. Quando as apresentações reiniciaram, os portelenses se dividiram. Por fim, Luiz Carlos Máximo e Toninho Nascimento venceram pela terceira vez consecutiva, desta vez em parceria com Waguinho, Edson Alves e J. Amaral.
Obstinado em surpreender a avenida, Marcos Falcon se empenhou pessoalmente para viabilizar algumas novidades impactantes. Ele entrou em contato com a empresa alemã Festo, que havia criado um pássaro-robô extremante realista. Ao perceber a impossibilidade de trazê-lo para o Brasil, o vice-presidente buscou apoio em instituições conceituadas, como a Coppe/UFRJ, tentando viabilizar a fabricação de uma versão brasileira. O resultado desta busca foi uma parceria com pesquisadores que trabalhavam com a tecnologia de drones, que fizeram um modelo de águia especialmente para o desfile. A “Águia drone” da Portela foi uma das novidades daquele carnaval. Outra surpresa em que Falcon se empenhou intensamente foi a construção de um “gigante de pedras” que se ergueria em plena avenida, inspirada numa propaganda de Whisky. Apesar de também ter discutindo o assunto com professores da Coppe, a complexa estrutura de movimentos e a própria escultura foram criadas por artistas de Parintins.
Penúltima escola a entrar na avenida segunda-feira de carnaval, a grandiosa abertura anunciava que, de fato, uma nova era se iniciava na Portela. A comissão de frente trazia um tripé com uma grande águia abrindo e fechando as asas, de onde os integrantes entravam e saíam. O grupo foi denominado “Criando um povo à glória de São Sebastião”, e, enquanto as asas se mantinham abertas, uma imagem do pão de açúcar se destacava. Na sequencia, o casal Diogo Jesus e Danielle Nascimento representavam a “A Águia e o padroeiro”, antecedendo ao grupo da Velha Guarda show e a ala das baianas, esta última com a fantasia “Um Rio azul em nossas vidas”. Abertura mais portelense seria impossível, sensação que era reforçada pelo gigantesco carro abre-alas, “Um mar de Portela”, que trazia 21 esculturas de águias saindo do mar, uma para cada título da majestade do samba. Na verdade, no primeiro carro, duas alegorias acopladas formavam por si só uma imensa escultura, num belo trabalho artístico compartilhado entre os escultores Poggi (1º carro) e Ervilha (2º carro). A Águia principal, alçando seu voo sobre a avenida, entoando seu grito de guerra, foi uma criação dos artistas de Parintins. O grito da Águia era tão forte que foi penalizado por um julgador de harmonia, alegando que estava atrapalhando a audição do samba-enredo.
O segundo setor era todo formado por componentes negros, trazendo fantasias alusivas às atividades dos habitantes da chamada “Pequena África do Rio de Janeiro”, como “vendedores de flores”, “ambulantes de frutas”, “Mercadores de peixes” e outros, com destaque para o grupo coreografado simbolizando a “A corte dos esfarrapados”. A sequência de temática afro-brasileira terminava na segunda alegoria, “O cais do valongo”, maior porto receptor de escravos do planeta. O terceiro setor mostrava as transformações trazidas pela “Belle Époque carioca”, um conjunto de mudanças que influenciou hábitos e costumes, culminando com uma imponente reprodução do Palácio Monroe, que reunia convidados especiais e membros das velhas guardas da Portela.
O quarto setor apresentava a cultura que floresceu na Avenida Rio Branco, com referências à Escola de belas artes e a Biblioteca Nacional. Em seu segundo ano a frente da Tabajara do Samba, a Rainha Patrícia Neri vestia uma fantasia representando “A fé do Samba”. Os ritmistas de Mestre Nilo Sérgio, numa referência a Oxóssi, São Sebastião no sincretismo, significavam “O samba que bate com fé”. Esta parte do desfile também trouxe o terceiro casal de mestre-sala e porta-bandeira, Douglas Barbosa e Camylla Nascimento, vestindo uma fantasia intitulada “Um balé para dois”, que aludia ao clássico “Lago dos cisnes”. Este também era a inspiração para a ala seguinte, formada por um grupo de jovens bailarinas ensaiadas pela coreógrafa Ghislaine Cavalcante. Fechando o setor, um luxuoso quarto carro representava o Teatro Municipal.
O quinto setor do enredo mostrava os áureos tempos da Rádio Nacional e os icônicos carnavais da Avenida Rio Branco, com referências aos blocos Cacique de Ramos e Bafo da Onça, bem como ao eterno triângulo amoroso formado por Pierrô, Arlequim e Colombina. Foi nesta parte que o desfile, até então impecável, apresentou seu principal problema. O tripé “Ídolos do Rádio”, que desfilaria no centro de uma ala coreografada representando as “macacas de auditório”, quebrou ainda na concentração e desfalcou a escola na avenida. Tal ausência, por descumprir o roteiro original enviado aos jurados, resultou em preciosos décimos perdidos no quesito enredo. O quinto carro mostrava um baile de carnaval, em que se destacava uma grande escultura de Arlequim.
No sexto setor, o glamour da Cinelândia tornou-se o centro das atenções. As fantasias faziam referência ao tradicional bar amarelinho, às vedetes, aos pipoqueiros e lanterninhas dos cinemas que marcaram a região. O sexto carro também exaltava a sétima arte com destaque para um grupo coreografado por Fábio Costa e sua equipe, que assistia a um filme exibido num imenso telão. Os créditos do filme eram a própria ficha técnica da Portela. Na sequencia, o setor seguinte lembrava a política que sempre pulsou na Avenida Rio Branco, palco de fatos históricos que ajudaram a decidir a história do Brasil, desde a revolta da Chibata até as passeatas pelas eleições diretas, passando pelo triste período de opressão imposto pela ditadura militar. Ladeado pelo grupo Cidadania, era nesta parte do enredo que o já mencionado gigante de pedra se ergueu na avenida. A grandiosidade da escultura, chamada de “Desperta o gigante”, exigia um cuidadoso planejamento, sobretudo porque, ao ficar em pé, ela ultrapassava a altura da torre de TV. Arrancando gritos e aplausos, o movimento de descer a complexa estrutura para subi-la novamente, após passar o obstáculo, mostrou-se perfeito, fazendo com que a evolução fosse mantida sem qualquer percalço.
O oitavo setor se iniciava com as novidades trazidas pela revitalização da Zona Portuária do Rio de Janeiro, que estava em obras. Os museus do mar e do amanhã eram representados por alas, assim como a inspiração para a fantasia do segundo casal de mestre-sala e porta-bandeira, intitulada “Ciência do amanhã”. Por fim, o enredo apresentava à devoção dos portelenses por São Sebastião, padroeiro da Tabajara do Samba e da cidade do Rio de Janeiro. A oitava e última alegoria, “O mar que traz a fé”, mostrava a fé sincretizada dos portelenses, com uma imponente escultura de Oxóssi sobre um andor feito de atabaques.
Para muitos, a apresentação arrebatadora da Portela foi uma surpresa. Todavia, para o portelense, era a consequência natural de um árduo trabalho, construído a partir de um rigoroso planejamento. O objetivo de fazer a Portela novamente realizar desfiles competitivos foi alcançado, mas ainda faltava o resultado. Na quarta-feira de cinzas, após a abertura dos envelopes, a Majestade do samba ficou com a terceira colocação, quatro décimos atrás da Campeã, Unidos da Tijuca. Considerando os descartes, a escola foi penalizada com três décimos em Alegorias e adereços, dois em Comissão de frente, um em Fantasia, um em Harmonia, um em Mestre-sala e Porta-bandeira e dois em Enredo, totalizando um ponto perdido. Poucos minutos depois, na quadra, a frustração se transformou em alegria pelo belo desfile que revigorou a escola. O troféu de terceiro colocado foi conduzido ao palco. Naquele momento, mais do que comemorar o terceiro lugar de 2014, estava sendo celebrada a esperança para os próximos anos. Como dizia o grito entoado pela torcida, “a campeã voltou!”
FICHA TÉCNICA:
Presidente: Sergio Procópio
Vice-presidente: Marcos Falcon
Carnavalesco: Alexandre Louzada
Diretor de Carnaval: Luiz Carlos Bruno
Equipe de direção de carnaval: Fábio Pavão, Paulo Renato Vaz, Marcos Aurélio Fernandes, Moisés Carvalho e Fábio França
Comissão de harmonia: Jorge Ipanema, Jorge Pitanga e Leandro Germano.
1º Casal de mestre-sala e porta-bandeira: Diogo Jesus e Danielle Nascimento
Coreógrafo do 1º casal: Fábio Costa
Intérpretes: Wantuir
Mestre de bateria: Nilo Sérgio
Rainha de bateria: Patrícia Neri
Coreógrafa da comissão de frente: Ghislaine Cavalcante
Diretor de barracão: Paulinho do Ouro/Higor Machado
2º Casal: Márcio Guedes e Rosilaine Queiroz
3º Casal: Douglas Barbosa e Camylla Nascimento
Responsável pela ala das baianas: Jane Carla.
Responsável pelos passistas: Valcir Pelé
1º Destaque: Carlos Reis
Coordenadores de Destaques: Carlos Ribeiro e Maria Helena Pires
Responsáveis pela comunidade: Márcio Emerson, Jorge Barbosa e Sérvolo Alves.
Ala de compositores Ary do Cavaco: Poly, Jane Garrido, Aurelino Pacheco (Caixa D’Água) e Cirilo Reis
Departamento Feminino: Aldalea Rosa Negra da Portela
Galeria da Velha Guarda: Florinda Rodrigues
Ala das crianças: Maria Cristina Santana RibeiroSamba-enredo
Compositores: Toninho Nascimento, Luiz Carlos Máximo, Waguinho, Edson Alves e J. AmaralO canto do cais do Valongo ôôôôôô
Que veio de Angola, Benin e do Congo
Tem semba, capoeira e oração
O Rio sai da roda de jongo e vai desaguar
Na Glória de São SebastiãoOi Bota abaixo, Sinhô
Oi Bota abaixo, Sinhá
Lá vem o Rio de terno de Linho
E chapéu PanamáA Correnteza
De um Rio Branco é que traz
A arte do canto e da dança
Todos os sons musicais
O teatro da vida não sai de cartaz
A ilusão é uma atriz
Se exibindo na praça linda e feliz
Eu vou Da revolta da chibata
Ao sonho que faz passeataSeguindo a canção triunfal
Nesse Rio que vem e que vai
Traço o meu destino
E viro menino pra brincar de carnavalSou carioca, meu jeito é de quem
Vem com o sorriso do samba que a gente tem
Meu peito é um porto aberto
Pra te receber, meu bemVou de mar a mar, mareia
Vou de mar a mar, mareia, mareou
Iluminai o tambor do meu terreiro
Óh! Santo Padroeiro
O axé da Portela chegou
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