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1971
Inspirados em um samba de 1938 interpretado por Orlando Silva, "Abre a Janela", que cantava as desventuras de um malandro dividido entre o amor e a farra, Ary do Cavaco e Rubens tiveram um grande desafio ao compor um samba de tamanha qualidade quanto o samba portelense do inesquecível campeonato de 1970. Muito bem sucedidos, os versos do samba-enredo da Portela em 1971 "Abre a janela formosa mulher, cantava o poeta trovador", já eram bem conhecidos do grande público antes mesmo do desfile da escola na Avenida Presidente Vargas na madrugada de 22 de fevereiro.
O enredo portelense, "Lapa em Três Tempos", exaltou o famoso bairro boêmio do Rio de Janeiro em suas diferentes épocas. A Lapa de outrora, dos Vice-Reis, dos mascates e das Festas do Divino; a Lapa de hoje, da Rua do Passeio e do Passeio Público; a Lapa do futuro com as obras de urbanização que seriam iniciadas brevemente foram apresentadas pela Portela em seu desfile.
Marcado por fortes chuvas que atrasaram em mais de 90 minutos o início do desfile das escolas de samba do grupo principal, tendo que cumprir a exigência do tempo de desfile de 75 minutos (imposta desde 1970), a Portela foi a última escola a desfilar, iniciando o seu desfile quase às seis da manhã. Trazendo uma enorme águia, móvel, e sua bateria logo atrás da comissão de frente, a escola já dava indícios do porquê seria considerada uma das favoritas ao título. O público mesmo antes do início do desfile já cantava o samba portelense, interpretado por Candeia, que cumpria a sua função apresentando-se em cadeira de rodas.
Contando com 3000 componentes (220 na bateria, incluindo 20 mulheres) e com um carnaval orçado em 400.000 cruzeiros, mais uma vez o luxo e o requinte das alegorias (desenvolvidas por Yarema) e das fantasias estiveram presentes no desfile da Portela. Na parte inicial, 3 alegorias recordavam as esculturas dos deuses da mitologia que participaram do primeiro desfile de carros alegóricos realizado no Rio de Janeiro durante o casamento de D. João VI em Portugal. Mais adiante, outra alegoria apresentava o Passeio Público e seus namorados. Na parte final, uma alegoria representaria cenas da vida da Lapa boêmia: um cabaré com um casal dançando, um bar e um barman, uma mulher abrindo e fechando a janela e um velho tocando realejo.
Mesmo com a escola previamente dividida em setores, cuja supervisão teria sido entregue a sambistas portelenses de prestígio, devido à posição da bateria junto ao abre alas, os componentes das últimas alas tiveram dificuldade em manter a qualidade do canto e da dança. Ademais, a harmonia da escola também seria prejudicada em função do público que teria se aproximado em demasia, ávido por acompanhar o desfile da provável campeã.
Carlos Imperial, Leila Diniz e Zé Kéti, este último na comissão de frente, foram algumas das personalidades que desfilaram pela Portela. Entretanto, a grande sensação daquele ano seria a porta-bandeira Vilma, que mesmo tendo anunciado que não desfilaria em 1971, encantaria ao público ao trajar a fantasia de Marquesa de Baependi.
Ao final dos desfiles, de forma geral, segundo a crítica carnavalesca, quatro escolas eram apontadas como favoritas ao título: Salgueiro, Mangueira, Império e Portela. Dessas quatro, apenas o Império Serrano não teria tido problemas com sua harmonia ao longo do seu desfile. O Jornal Última Hora apontava apenas Império Serrano e Portela como candidatas à primeira colocação, desbancando o Salgueiro do enredo "Festa para um Rei Negro" e dos famosos versos do seu samba de 1971: "O-lê-lê, ô-lá-lá, pega no ganzê, pega no ganzá".
Mesmo antes do carnaval, já havia a indicação de que, independente da qualidade dos desfiles, o resultado da apuração seria alvo de polêmicas. Algumas escolas já apontavam a conhecida parcialidade de pelo menos três jurados, que já teriam participado de outros concursos de escolas de samba. Mesmo assim, a Secretaria de Turismo teria insistido na inclusão desses nomes no corpo julgador.
Em 26 de fevereiro, no Auditório do Regimento Caetano Farias, a apuração apontou os Acadêmicos do Salgueiro como campeã, ao somar 128 dos 130 pontos válidos. A Portela ficaria em segundo lugar com 116 pontos, seguida pelo Império Serrano com 111 pontos e pela Estação Primeira de Mangueira com 106 pontos.
Mesmo considerada como uma das favoritas, a considerável diferença de pontos entre o Salgueiro e as demais escolas foi alvo de protestos. As notas dadas pelo Maestro Egberto Gismonti, julgador do quesito melodia, foram muito criticadas, uma vez que, segundo a sua avaliação, apenas o Salgueiro receberia nota máxima. Algumas notas recebidas pela Portela foram alvo de críticas, especialmente as notas 6 em Comissão de Frente, 7 em Harmonia e 8 em alegorias.
Independente do resultado da apuração, o carnaval de 1971 consolidava o início de um processo de alteração do padrão do desfile das escolas de samba e da composição de sambas-enredo, especialmente relacionados à imposição de um tempo limite de desfile e às pressões de gravadoras e redes para transmissão dos desfiles. Entretanto, tais mudanças não impediriam que o samba-enredo de Ary do Cavaco e Rubens ficasse marcado como uma das grandes composições do carnaval carioca.
Notas recebidas pela Portela:
Alegorias 8
Letra do Samba-Enredo 10
Bateria 9
Harmonia 7
Melodia 8
Fantasias 9
Coreografia do MS e PB 10
Evolução 9
Conjunto 10
Desfile de Qualidade 10
Enredo 10
Comissão de Frente 6
Tempo de Desfile 10Ficha técnica:
Resultado: 2ª Colocada do Grupo 1, com 116 pontos
Data, Local e Ordem de Desfile: 10ª Escola de 21/02/71, Domingo, Avenida Presidente Vargas
Carnavalesco: Arnaldo Pederneiras
Presidente: Carlos Teixeira Martins e/ou Caetano Piloto
1º Casal de Mestre-Sala e Porta-Bandeira: Irene e Bagdá
2º Casal de Mestre-Sala e Porta-Bandeira
Bateria: 220 componentes sob o comando do mestre
Contigente: 3.000 ComponentesSamba enredo:
autores: Ary do cavaco e RubensVem dos vice-reis
E dos tempo dos Brasil imperial
Através de tradições
Até a república atual
Os grandes mestres do passado
Dedicaram obras de grande valorA Lapa de hoje, a Lapa de outrora
Que revivemos agoraAs serestas quantas saudades nos traz
Os cabarés e as festas
Emoldurados pelos lampiões a gás
As sociedades e os cordões
Dos antigos carnavaisOlha a roda de malandro
Quero ver quem vai cair
Capoeira vai plantando
Pois agora vai subirPoeira, oi, poeira
O samba vai levantar poeiraImagens do Rio Antigo
Berço de grandes vultos da história
A moderna arquitetura lhe renova a toda hora
Mas os famosos arcos
Os belos mosteiros
São relíquias deste bairro
Que foi berço de boêmios seresteiros
Abre a janela formosa mulher
Cantava o poeta e trovador
Abre a janela formosa mulher
Da velha Lapa que passou
Fonte: Portela Web
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