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1960
O desfile de 1960 aconteceu entre momentos de chuva fina e chuva forte. Era dia 28 de fevereiro e as 12 escolas, reunindo cerca de 6.000 componentes prontos para evoluir na Rio Branco, disputavam um prêmio de Cr$ 110 mil. O desfile estava marcado para começar às 8 da noite e iria terminar cerca de 15 horas depois.
As quatro grandes escolas - Portela, Mangueira, Império Serrano e Salgueiro - não tinham grandes preocupações relacionadas às 8 agremiações restantes, a não ser com a famosa ala de passistas da Unidos da Capela (que depois veio a se juntar à Aprendizes de Lucas para fundar a Unidos de Lucas).
Vinda de um tricampeonato, a Portela iria mostrar a história da cidade do Rio de Janeiro com o enredo de Djalma Vogue "Rio, Capital Eterna do Samba". Uma pequena mudança nos responsáveis pelo barracão trouxe Osvaldo Alves, Nô e Nilton para trabalhar com o veterano Finfas. Todos homens de confiança do presidente Natalino - o Natal da Portela. O samba-enredo era de Walter Rosa, o primeiro dele na escola. Walter foi levado para Oswaldo Cruz no início da década de 40 por Paulo da Portela. Os dois se conheceram no bloco Recreio de Inhaúma, em 1942.
A primeira alegoria era o Morro de Santo Antônio e sua demolição. O carro causou sensação ao passar em frente à comissão julgadora - na escadaria da Biblioteca Nacional -, quando o morro desaparecia dando lugar à cidade do Rio de Janeiro com os edifícios da Central do Brasil, do ministério do Exército e da Mesbla (que ficava na Cinelândia). A segunda alegoria representava a fundação da cidade com Mem de Sá, Estácio de Sá até o governo Lacerda. A terceira lembrava a resistência à invasão francesa no Rio.
O desfile foi transmitido pelas TVs Continental, Tupi e Rio. A imprensa descrevia Vilma como "uma versão cabocla de um quadro renascentista" e como "a porta-bandeira número 1 do Brasil". A bateria de mestre Betinho era a melhor, a mais correta e a mais bem vestida. A revista O Cruzeiro descreveu assim o desfile da Portela:
"Que milagre fez a Portela que o Flamengo não sabe? Ora, vejam só. A Águia de Madureira ensaia para desfilar no asfalto seco, chega na Cinelândia, chove de ensopar couro de bateria, o nylon das cabrochas tem um palmo de lama, danifica-se o carro principal do enredo "Rio, Capital Eterna", os passistas acrobatas escorregam no molhado - uma calamidade. Mas Expedito & João Mendonça, Natalino e Betinho inspiram-se no Fluminense de Zé Moreira, rebolam à base da forma física, à fé do juiz e da riqueza da camisa: ganham por defesa menos vazada. E a linda Vilma do Nascimento conquista o título de porta-bandeira número 1 do Brasil."
A comissão julgadora composta por Eneida, Lúcio Rangel, Kalma Murtinho, Anna Letycia e Haroldo Costa deu a vitória à Portela com 100 pontos, ficando a Mangueira em segundo, com 98, e Salgueiro em terceiro, com 95. Apesar da pontuação máxima, o tetracampeonato da Portela estava ameaçado. Segundo o combinado pelas escolas, os atrasos resultariam em perdas de pontos. Se tudo terminasse assim, o Salgueiro seria o campeão do carnaval de 1960, seguido de Unidos da Capela e Império Serrano.
A apuração ocorreu na sede da Secretaria de Turismo, tomada de policiais. E o que aconteceu lá caracteriza bem o chamado "Período Romântico" dos desfiles das escolas de samba: ao saber que a Portela perderia 15 pontos, terminando o desfile em quarto lugar, Natal se aproximou do chefe do policiamento e deu um forte soco na cara dele.
O tumulto se generalizou e, antes que fosse dada a vitória ao Salgueiro, a apuração foi suspensa. Natal tinha virado a mesa. O fato, descrito com detalhes por Hiram de Araújo e Amaury Jório no livro "Natal, o homem de um braço só" (Guavira Editores, 1975), era tido como folclore no mundo do samba até a PortelaWEB resgatar uma seqüência de fotos que provam que o soco aconteceu de verdade (revista O Cruzeiro, 19/3/1960). No livro, Natal relata que sua "rede de informação" já havia lhe dito que a Portela seria "garfada".
O responsável pelo atraso da Portela e da Mangueira não havia sido a direção dessas escolas, mas sim a organização do desfile. A imprensa da época descreve que a chuva ajudou a tumultuar toda a Rio Branco e que a má organização permitiu que a pista fosse invadida diversas vezes. Ocorreu até um tumulto envolvendo as TVs que tentavam transmitir o espetáculo e a pancadaria do policiamento contra os espectadores. Ao perceber que a violência estava sendo gravada, os policias passaram a espancar os câmeras de TV, aumentando ainda mais a confusão em pleno desfile.
Dias depois a Secretaria de Turismo, responsável pela divulgação da apuração, manteve a vitória da Portela. A escola era tetracampeã de fato e por direito!
Ficha técnica:
Resultado: Campeã do Grupo 1, com 100 pontos
Data, Local e Ordem de Desfile: 28/02/60, Domingo, Av. Rio Branco
Carnavalesco(s): Djalma Vogue
Presidente:
1º Casal de Mestre-Sala e Porta-Bandeira: Vilma e Benício
Bateria:
Contigente:
Samba-enredo:
Compositor: Walter Rosa
Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro
Rainha das paisagens
Maravilha do mundo inteiro
O teu cenário histórico
Passamos a ilustrar
O sonho do teu fundador, Estácio de Sá
Simbolizando em cânticos alegres
Hoje viemos exaltar.
Estão consumados
Cidade, teus ideais
Apologia aos teus vultos imortais
Rio, dádiva da natureza
Aquarela universal
Os sambistas te elegeram ao som da música
A nova Guanabara, eterna capital
De encantos mil
Lá iá lá, lá iá lá iá lá
Orgulho do meu Brasil
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